A qualidade de software é uma área central dentro da engenharia de software que envolve normas, processos e boas práticas voltadas à entrega de soluções que realmente gerem valor. Mas esse valor pode ser interpretado de maneiras diferentes, dependendo de quem o avalia.
Para um time de desenvolvimento, qualidade se refere ao resultado de um processo estruturado com boas práticas de engenharia, testes automatizados, padrões de codificação, controle de versões e técnicas que garantem um sistema confiável e manutenível. Já do ponto de vista do cliente, qualidade é medida pela capacidade do software de resolver seus problemas, de forma simples, intuitiva e eficiente — ou seja, pela utilidade e experiência que ele entrega.
Essa diferença de percepção nos leva à importância de entender qualidade como um conceito multidimensional, que deve equilibrar requisitos técnicos com a experiência e a satisfação do usuário final.
Qualidade de software vs. qualidade de código
É comum confundir qualidade de software com qualidade de código, mas embora estejam relacionadas, são conceitos distintos.
A qualidade de código está centrada na estrutura interna do software — como ele é escrito, organizado e mantido. Um código de qualidade tende a ser legível, testável, modular, reaproveitável e com baixa complexidade. Práticas como clean code, design patterns e os princípios SOLID são exemplos de caminhos para alcançá-la.
Já a qualidade de software é mais ampla: considera todo o ciclo de vida do sistema, desde a elicitação de requisitos até o uso real pelo cliente. Um código tecnicamente impecável pode resultar em um software que falha em atender aos objetivos de negócio — e por isso, não será percebido como “de qualidade” por quem importa: o usuário.
Necessidades: explícitas e implicitas
As características de um software como produto não envolvem apenas suas funcionalidades, mas também suas necessidades — que podem ser classificadas como explícitas ou implícitas.
Necessidades explícitas
Estas são definidas na proposta de requisitos. São condições documentadas que descrevem funcionalidades, objetivos e restrições do sistema. Estão diretamente relacionadas à qualidade do processo de desenvolvimento, embora geralmente só sejam percebidas pelos profissionais envolvidos na construção do sistema.
Necessidades implícitas
Essas envolvem o usuário final e não estão necessariamente documentadas. Refletem expectativas como facilidade de uso, rapidez nas respostas, mensagens claras, layout intuitivo, entre outros. São cruciais para a qualidade em uso do software e complementam a entrega de valor, mesmo que não façam parte formal da especificação.
Métricas de qualidade: como medir o que importa?
Para gerir qualidade, é preciso medi-la. Algumas métricas técnicas ajudam a avaliar a saúde e a evolução de um projeto de software:
- Cobertura de testes (test coverage): avalia quanto do código é exercitado pelos testes automatizados. Embora não garanta qualidade por si só, sua ausência indica risco.
- Complexidade ciclomática: mede a quantidade de caminhos lógicos de um trecho de código. Quanto maior, mais difícil de testar e manter. É monitorada por ferramentas como SonarQube.
- Defeitos por funcionalidade: mede a incidência de bugs em cada funcionalidade entregue.
- MTTR (Mean Time To Repair): tempo médio entre a descoberta e a correção de um defeito.
- Índice de acoplamento e coesão: analisa o quanto os componentes do sistema estão interdependentes e especializados. Altos níveis de acoplamento prejudicam a manutenção.
Essas métricas podem (e devem) ser automatizadas nos pipelines de CI/CD, trazendo visibilidade contínua e dados reais para tomada de decisão.
ISO/IEC 25010 na prática
A norma ISO/IEC 25010:2011 define um modelo de qualidade que amplia nossa visão para além do funcionamento básico do sistema. Ela separa os atributos de qualidade em duas grandes categorias:
1. Qualidade do produto
Características técnicas do software, como:
- Funcionalidade
- Desempenho e eficiência
- Compatibilidade
- Usabilidade
- Confiabilidade
- Segurança
- Manutenibilidade
- Portabilidade
2. Qualidade em uso
Características percebidas durante o uso do software:
- Efetividade
- Eficiência
- Satisfação
- Segurança em uso
- Cobertura de contexto
Na prática, aplicar o ISO 25010 não exige seguir à risca todos os atributos. O importante é identificar quais são mais críticos para o seu projeto e priorizá-los. Por exemplo: para um sistema bancário, segurança e confiabilidade são essenciais. Já para um app de delivery, desempenho e usabilidade podem ser mais relevantes.
Processos, padrões e pragmatismo
A padronização de processos — seja por metodologias ágeis como Scrum, por modelos como CMMI, ou por guias como MPS.BR — ajuda a alinhar expectativas, controlar riscos e promover entregas consistentes. Ela também facilita a comunicação entre os atores do projeto: produto, design e engenharia.
Mas é importante lembrar que nem todo projeto exige um processo formal e pesado. Dependendo do contexto (custo, prazos, criticidade), abordagens mais leves podem ser suficientes, desde que orientadas por princípios de qualidade e foco no usuário.
Conclusão
A qualidade de software não é um item de checklist — é um compromisso contínuo com a excelência técnica, o valor entregue ao usuário e a saúde do produto no longo prazo.
Entender a diferença entre qualidade de código e qualidade percebida, aplicar métricas relevantes, e incorporar modelos como o ISO/IEC 25010 pode transformar a forma como times constroem e evoluem seus sistemas.
No final, software de qualidade é aquele que resolve o problema certo, da forma certa, para a pessoa certa — e que continua evoluindo com segurança, sustentabilidade e propósito.
“Se você não tem tempo para fazer direito, quando terá tempo para fazer de novo?”
— Gerald Weinberg